Entende-se por primeiro vendedor o primeiro profissional 100% dedicado à vendas. Vale começar dizendo que a responsabilidade de realizar as primeiras vendas, assim como de estabelecer o processo comercial, é de um dos fundadores da empresa.
Acertar o timing de contratação do primeiro vendedor é desafiador, e existem dois cenários errados que aparecem em muitas empresas:
Cenário errado 1: contratar o vendedor cedo demais
Normalmente, quando os fundadores não possuem background de negócios, eles contratam um profissional de vendas na expectativa de delegar esse problema. O que acaba acontecendo é que, sem um processo minimamente estabelecido, esse profissional de vendas fica a deriva na empresa.
Vale dizer que o vendedor não é um “builder” – alguém que cria/estabelece um processo – e sim um “grower” – alguém que segue um processo estabelecido e faz crescer. É de responsabilidade dos fundadores criarem esse processo antes da entrada do primeiro vendedor.
Cenário errado 2: contratar o vendedor tarde demais (ou nunca contratar)
Quando a solução que a empresa oferece no mercado é muito complexa, existe uma tendência de apenas os sócios venderem – seja pela dificuldade em treinar outras pessoas, pela confiança que precisa ser estabelecida com um cliente ou pelas altas cifras envolvidas.
Acontece que, em um negócio onde apenas os sócios conseguem vender, dificilmente o processo será replicável, ensinável e escalável. Os donos da empresa ficam ali apenas vendendo para conhecidos e indicações – nada contra, só é fato que um dia o crescimento atingirá um platô.
Quais características deve possuir o primeiro vendedor
Como comentei anteriormente, não é adequado procurar no primeiro vendedor alguém que vá criar o processo comercial, estabelecer o fluxo de geração de leads, implantar o CRM, entre outros. Essas questões precisam estar minimamente resolvidas e é importante que já exista um histórico de vendas acontecendo com alguma frequência.
O primeiro vendedor é quase um empreendedor. Ele entra quando as coisas são rudimentares e compreende que o momento é esse – não ficará esperando leads caírem do céu, nem reclamando que não existe processo, tampouco que não tem um assistente.
As características de empreendedor não se limitam a saber trabalhar com poucos recursos, mas também nas atitudes perante os clientes. Esse primeiro vendedor precisa ser capaz de replicar a energia que os fundadores colocam na hora de fazer a venda, e também transmitir o mesmo grau de confiança que um dono é capaz de transmitir na hora de fechar negócio.
Isso torna o desafio mais complicado, mas é uma dose de realidade. Só é adequado contratar alguém muito júnior quando:
a) alguém terá muito tempo para se dedicar em ensiná-lo;
b) o processo já está validado e muito claro.
Normalmente, não é essa a realidade de uma empresa no estágio de contratar o seu primeiro vendedor.
Um profissional com alguma experiência, especialmente na indústria de atuação da empresa, é uma boa pedida. A curva de aprendizado desse profissional estará mais relacionada em entender o processo, o produto, o mercado e os clientes. Em pouco tempo, o vendedor estará pronto para entrar na linha de tiro.
Onde encontrar esse primeiro vendedor
O lugar mais adequado para procurar o primeiro vendedor é na rede de contatos dos próprios fundadores. Não precisa ser necessariamente algum contato direto – conseguir uma recomendação de alguém de confiança também é muito válido.
Também considero indicado alguém que tenha atuado na indústria da empresa, preferencialmente com o mesmo perfil de cliente e ticket similar. É desafiador pegar alguém com grande experiência em vendas no varejo e prepará-lo para vendas B2B, por exemplo.
Eu recomendo evitar o processo de hunting (buscar profissionais empregados) em um primeiro momento. Tirar alguém que está em uma empresa rodando e trazer para algo novo é fazer esse profissional trocar o certo pelo duvidoso – isso aumenta muito o risco de dar errado.
É importante que esse profissional queira trabalhar na empresa – seja porque conhece e confia nos fundadores, ou porque a empresa foi muito bem recomendada à ele por alguém.
Como contratar o primeiro vendedor
É difícil ajustar uma proposta de emprego para o primeiro profissional em uma função, especialmente na área de vendas que envolve ganho variável, metas etc.
O erro padrão é oferecer um salário fixo baixo e dizer que o vendedor ganhará pela sua performance. Isso parece reduzir o risco de quem está contratando, porém é uma sabotagem. O que realmente acontece é que toda a responsabilidade fica nas costas do vendedor e nem sempre os resultados vêm nos primeiros meses. A carga de não performar somada ao fato de estar ganhando pouco faz o profissional pular fora.
Imagine o tamanho do problema de treinar e investir em um profissional por meses e depois perdê-lo, especialmente se ele é o único em sua área? Você terá que começar tudo de novo…
Minha recomendação é estudar muito antes de fazer qualquer proposta. Existe muito conteúdo na internet sobre como remunerar vendedores – como esse do nosso blog, sobre como fazer remuneração e comissionamento de vendedores. Não é difícil fazer benchmarks dentro da sua indústria para saber como as empresas pagam os seus vendedores, consultar outros colegas que estão com empresas em estágio mais avançado.
Importante entender que a proposta precisa estar alinhada com o mercado. Aquele papo de “compra o sonho – você vai crescer se a empresa crescer” é furada – afinal, a empresa está contratando um profissional de vendas, e não um sócio.
Como preparar e treinar o primeiro vendedor
Vou repetir o que já falei, porque considero fundamental: quando o vendedor entra, precisa existir minimamente um processo e um histórico de vendas realizado por outra pessoa. É recomendado também que já exista um fluxo de leads chegando – seja por mídia paga, inbound, outbound ou o que for. Vale dizer que os leads que chegam por indicação normalmente querem falar com os donos da empresa e isso pode dificultar pro primeiro vendedor.
Provavelmente, quando esse novo profissional de vendas chega, os fundadores estão rodando vários pratinhos na empresa e não têm muito tempo para dedicar no treinamento. De toda forma, vale planejar quais são os primeiros passos desse profissional na empresa: como ele aprende sobre o produto? Como ele entende o cenário e os problemas do cliente? Quando ele estará preparado para falar com clientes?
O fato de já existir histórico de vendas ajuda também a passar informações importantes para esse profissional se basear: quais as taxas de conversão históricas; qual o ticket médio da venda; quanto tempo leva para uma venda ser fechada; quantas atividades precisam ser feitas, entre outras.
Como gerenciar o primeiro vendedor
Trazer um profissional mais experiente ajuda muito na gestão, pois uma vez que ele entende produto, mercado e clientes, ele começa a seguir o processo, replicar o que está dando certo, e segue o curso natural.
Na minha opinião, vendedores não devem ser gerenciados por atividades, horário etc – isso alimenta o micro-gerenciamento, o que é ruim para o profissional e péssimo para o gestor. Tão logo seja possível, é importante gerenciar os vendedores pelos resultados e esses, por sua vez, entenderem as atividades que precisam desempenhar e o tempo que precisam dedicar para chegar.
Naturalmente, não basta delegar uma meta esdrúxula e deixar o profissional se virar. Alguns pontos importantes na gestão desse primeiro vendedor:
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Processo de ramp-up: esse vendedor vai levar alguns meses para fazer uma meta full, tanto por ainda não ter tanta proficiência, quanto por ainda não ter um pipeline construído;
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Quantidade de leads suficiente: se um vendedor não recebe leads, ele é forçado a prospectar e isso faz com que ele não tenha tempo para vender. É responsabilidade da empresa fazer com que o vendedor seja alimentado com os leads (para isso, existem áreas como a de marketing e sales development);
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Processo e métricas: o vendedor que está na linha de tiro não tem muito tempo para revisar processos, entender métricas – provavelmente, o dia dele vai todo em reuniões, propostas, follow-ups e fechamentos. Cabe ao gestor prover esses recursos tão importantes no atingimento da meta, e manter o vendedor focado em performar.
Os pontos que compartilhei acima não são teorias que aprendi em um livro, mas sim a experiência prática de termos passado por esse processo há cerca de 1 ano aqui na Ramper. Finalizo o artigo contando um pouco mais sobre o nosso caso:
Diego Espindola – nosso primeiro vendedor
A história do Diego aqui na Ramper começou em maio de 2017, quando meu amigo Fredy Evangelista me ligou para dizer que um vendedor que foi da equipe dele estava disponível no mercado. Nesse período, ainda éramos apenas o Henrique e eu na Ramper e a contratação do primeiro vendedor estava prevista para dali 1~2 meses.
Marcamos um almoço o Diego e eu, e nesse encontro fiz um convite para ele passar aquela tarde na Ramper para conhecer a dinâmica – nessa época, eu passava o dia fazendo calls (demos e onboardings). Fechei uma venda na frente dele e o cara ficou super empolgado. Naquele mesmo dia ele me mandou uma mensagem às 22h querendo vir para a Ramper.
Decidi antecipar a contratação do primeiro vendedor, pois o Diego se mostrou um cara muito alinhado com o que eu buscava e já tinha trabalhado com venda de software em uma empresa que admiro, além de já vir treinado e recomendado por um amigo que confio.
O Diego ficou 15 dias assistindo como eu trabalhava, conhecendo mais do produto e do mercado – definitivamente, não tínhamos um processo de onboarding nessa época – e só então começou a receber oportunidades, fazer suas calls e primeiras vendas. Definimos um processo de ramp-up onde ele teria 4 meses pra fazer o número que eu fazia no mês que ele entrou.
Nos dois primeiros meses, o Diego e eu fomos pares em vendas, cada um com sua meta. Quando eu senti que ele dava conta do recado – ele mesmo se provou, pois logo no segundo mês já estava batendo meta – eu saí da linha de frente de vendas e comecei a gerenciar o processo.
Enquanto eu ainda vendia, e o volume de leads era alto, não tínhamos muita gestão do processo e muita coisa transbordava. Ao passo que saí da trincheira, comecei a ter uma visão mais ampla, o que possibilitou:
1) eu focar mais na carteira de clientes que havíamos construído até ali (logo em seguida, veio a contratação da Bruna – customer success);
2) o Diego produzir muito mais como vendedor focado, sendo apoiado por um gestor;
3) estabelecermos os processos para fazer nossas vendas escalarem;
4) recrutar os novos membros do time de vendas, que vieram 4 meses depois da entrada do Diego.
O Diego pegou o período em que o produto entregava muito menos valor do que hoje, os processos estavam muito menos claros e nossa estrutura era muito mais rudimentar. Ainda assim, ele fez chover desde sempre. Assim como foi comigo no período que ainda era sozinho, por muitas semanas ele manteve um ritmo de 10-12 demo calls (1 hora de duração cada) e passou o dia com apenas uma coxinha no estômago.
Um dos pontos altos do Diego foi ter transformado os banheiros em salas de reuniões. Na barulheira de uma sala de 30m² com 2~3 calls acontecendo ao mesmo tempo, o Diego se fechava no banheiro para conseguir fazer suas demos. Acabamos carinhosamente apelidando as salas de reuniões (banheiros, na verdade) de sala Steve Jobs e sala Elon Musk.
Hoje tem mais de 1 ano da entrada do Diego na Ramper. De lá pra cá, contratamos mais 7 vendedores (sem contar SDRs e CSMs) e ele sempre manteve sua performance alta – tendo dobrado a própria meta mais de uma vez. Nesse meio tempo, Diego se casou e peitou algumas barras pessoais sem deixar a peteca cair. É conhecido na Ramper como o “monstro sagrado”.
@Dieguinho, pra mim é uma honra trabalhar contigo. Tu ocupa um título que ninguém tira – o primeiro vendedor da Ramper. Vamo pra cima!